Estava pulando na net quando caí numa matéria sobre o novo cafa. Uma bela descrição desse novo tipo que apareceu nas nossas praças, como quem não quer nada, e está ganhando espaço.

Transcrevi a matéria logo abaixo, um trabalho árduo feito duas vezes (porque na primeira a luz piscou e eu perdi tudo), graças ao jornal "O Globo", pois com seu comportamento anti-social apavorado com "direitos de propriedade", não permite um simples copiar e colar. Blog it? Trackback? Bobagens.

Antes do texto, contudo, minha sublime e bem pior escrita opinião sobre o fenômeno.

Começo já por admitir que a maior culpa nisso é das próprias mulheres. Aprisionadas nos seus sonhos burgueses, coladas nas páginas dos romances baratos de banca, acabam por incentivar essas metamorfoses de comportamento nos queridos companheiros do sexo oposto. Ora, nossos velhos, old-fashioned cafas, se vendo cada vez com mais dificuldade de atingir seus objetivos com suas técnicas velhacas, não se vêem com outra alternativa a não ser mudar a roupagem. Surge então esse cafa 2.0, fruto caramelizado e endurecido do moralismo e síndrome retrógrada da sociedade do século 21.

A vanguarda da sinceridade e do realismo está morta, ou definhando. Esses fenômenos de me-engana-que-eu-gosto não só me dão medo, mas como me enojam. Onde está o olho-no-olho, as palavras que não são só promessas vazias de pessoas que não existem? Essa projeção de utopias de um lado para o outro (ambas as direções, devo afirmar) nos leva cada vez mais para os relacionamentos fugazes, que começam no nada e acabam sem nem levar o e-mail. Não há relação, não há sentimento - e aqui não falo do romance romântico, mas simplesmente de interações normais entre as pessoas: o diálogo chega ao fim abrupto assim que o beijo se torna passado.

Às vezes, me pergunto qual o problema em realmente ser natural e dizer a que veio. Há muitos objetivos, cada um tem os seus. Se todos simplesmente pararem de camuflar suas verdade sob finas camadas de pó de arroz, certamente os pares se encontrariam com mais facilidade. Sem o joguinho idiota de tatear no escuro, provar da dúvida; frustrar-se é quase um novo esporte: depois de cada partida saímos com os amigos para comentar animadamente os lances emocionantes do jogo. Virou piada mesmo!

Que horror isso. Prefiro a filosofia idade da pedra, quando as linhas guia eram mais naturais e harmoniosas. Os velhos cafas tinham uma sinceridade disfarçada, enquanto os novos têm uma falsidade admitida. Ou seja, retrocedemos cada vez mais, nadando nesse lodo antiquado das convenções preestabelecidas.

Divirtam-se com o texto, de Joaquim Ferreira dos Santos, página 10 do "Segundo Caderno", jornal "O Globo".

O novo cafa
Ele não espanta a presa, é refém do seu fascínio por ela.

Cuidem-se meninas, eis que chegou o novo cafajeste. Não mais um sujeito com os pêlos do peito suspirando safarnagens ao vento ateu e ao badalo dos cordões de ouro. Não mais um casca grossa de chanchada murmurando toucinhos de admiração fingida para dentro da panela auricular da moça. Necas de Jece Valadão. Pitibiribas de José Mayer. O novo cafa viajou. Aggiornou o Zé Trindade que carregava em si e adentrou em cena com o velho apetite - elas, elas - mas com jeitão irreconhecível. Deixou o tacape na caverna e vai na contramão da garotada pitbull. Nada de puxar a presa pelo cabelo na boate. É quase um gente fina, um adorador delicado das mulheres, um admirador do seu código de ética - e se não fosse essa insistência delas em casarem no dia seguinte, montar um castelo cheio de crianças no Leblon, eles poderiam ser felizes para quase sempre. Doce bandido. Um doce vampiro como na música da Rita Lee, com a diferença de que, antes de ela dizer o verso "me acostumei com você", ele terá batido asas. Avoará inesperado.

Sem fazer cheque de portas, sem check-out. Era apenas uma reabastecida de sangue, um pit-stop que ele estava dando na jugular, e você, já que os sinais não eram os de praxe, não percebeu.

Muito prazer. O velho cafa em nova roupagem.

Liga no dia seguinte, ouve com paciência os queixumes, repara que ela cortou o cabelo e elogia, elogia muito sem sugerir em nenhum momento que gostaria de fazer a ode a tantos encantos num lugar mais confortável. Quase um gentleman. Ao contrário do antigo, o novo cafa não tem pressa. Cool. Suave. Nada e revólver sempre esfumaçado, de sair atirando em todo coração que se move atrás do decote e mostrar para os amigos as marcas contabilizadas na coronha. Discretíssimo. O novo anti-herói é amável. A princípio ele quer fazer bem, introduzir alguma poesia na noite escura dos desencantos dela. Vinícius, Bandeira e Zéfiro. Mas há sempre as que querem mais versos, tertúlias e a educação pela pedra das considerações cartoriais.

Pena. O novo cafajeste não tem a canastrice do Zé Bonitinho, que virava para a câmera, close em mim, e cantava "If I have a thousand of women". Exibicionismo zero. Presta atenção nas carências femininas do momento, sabe o que está faltando no mercado delas e sutilmente oferece suas prendas. Não promete mais uma rodada de sexo, drogas e rock and roll porque estão todas cansadas dessa dieta. Essas moças já tiveram a coleção completa dos orgasmos anunciados pela revista "Nova", já recriaram pelo avesso todas as posições que a Madonna desenhou nos clipes. Esgotaram a cabala, cancelaram a assinatura do Sexy Hot e foram para a Flip aplaudir Adélia Prado. Sonham com a paz doméstica.

Montar um apartamento. Conversa de travesseiro. O novo cafa sabe disso tudo. De tanto jogar milho aos pombos da Praça de São Marcos, ele percebeu que deve se guiar por um movimento sutil de sedução. Aproximar-se com jeitinho para o bote final e, como o antigo fazia, enchê-la de muita pipoca - mas desta vez sabor mel. Calda de chocolate. Leite Moça. Farelo de suspiro. Muito ronronar de uhhhhhmmmmm.

Ele tem calma. Deixa para amanhã. Vai na contramão do que as mulheres sempre esperam do conquistador barato. Onde elas pensavam garanhão surge com fruta-pão, ou qualquer outra bobagem que as mate de rir. Ele vai dizer que se emocionou com o filme "O amor em cinco tempos", mas se mostra disposto a encontrar um final feliz para essas histórias sempre melancólicas.

Esta semana ele certamente vai citar muitas vezes a canção que Caetano colocou em seu novo CD, feita com delicadeza para lamentar a impossibilidade de seu amor com Paula Lavigne.

O novo cafa diz, sempre baixinho, sempre com a atenção grudada na menina-dos-olhos da atenção dela, que não desistirá. O grande encontro é possível. É a única aposta a se fazer. Love.

Amour. Ele é poliglota. Não arrota. Não vocifera e, ao contrário do de antanho, sabe o que quer dizer um palavrão desses. Lê. Seu mais recente livro de cabeceira é "O animal agonizante", de Philip Roth, cujo personagem central, um sedutor sessentão que desdenha o vínculo afetivo acima de tudo, é quase um inspirador da espécie.

Tem elegância. É capaz de explicar todos os azuis de Matisse, os dourados de Klimt, e quer reverter, com sinceridade, ao preço que acharem justo, esse aprendizado do mundo em honra e culto delas. Velho cafa é outro papo. Nelson Rodrigues descreveu um deles, o de "smoking impecável", que diz ter visto numa festa sendo esculhambado, xingado e humilhado pela mulher.

Quando ela se cansou, o cafajeste deu-lhe uma rutilante bofetada na cara e a sujeita caiu chorando aos pés, apaixonada, enquanto a bofetada ainda ecoava na sala. Não mais. Esses sanguessugas existenciais, canalhas que babam ignorância afetiva, estão sendo cassados pelas CPIs dos novos tempos. Nostalgias da Atlântida, esquete cômico do "Zorra Total". O novo cafa não puxa pelo cabelo, não segura pelo braço e não come com os olhos, essas obviedades passadas.

Galanteia simpático, com a humildade de quem reconhece não ser o seu veredicto final.

Gosta do que vê e se apraz com a felicidade da aproximação. Sexo, definitivamente, parece ser seu último projeto na terra, algo a se tratar depois de percorrido todos os canais de Veneza, devorada meia dúzia de sushis e vistos os filmes dos irmãos Coen. Não espanta a presa, é refém do seu fascínio por ela. Está aqui para vibrar admiração e, como o menino do sinal atirando bolas para o céu, espera resignado qualquer tipo de recompensa. Já viu o teto da Capela Sistina, mas é sincero. Nada se lhe compara em êxtase ao que admira agora por trás do copo deste abr.

Pode ser que logo em seguida, conquistada a presa, ele desapareça. Antes, sem dizer que é adeus, o novo cafa, doce bandido, mandará pelo celular um último torpedo por escrito: "Eu já disse que quero que você seja muito feliz?".


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