Ah, desprezo! São as rendas, os brancos e pretos, a boca que abre e fecha, abre e fecha, abre e fecha com o seu plic plac plac desagradável, pseudo-sedutor, ignorante, sons vazios que se perdem no fundo da mente, tornam-se planos de fundo fixos. Escondem-se sob o negro, não querem tirar suas máscaras que os protegem, escondem suas pupilas rasgadas, línguas bifurcadas que se entrançam, dançam freneticamente em bailes de camaradas tão perdidos quanto, abraçam-se na adversidade e no gozo. Desprezo-os. E também há as conversas que se repetem, repetem, repetem, repetem, incansávelmente para ouvidos moucos que apenas confirmam o que não ouvem; solitários em busca de público para seus monólogos. Aposto que falam sozinhos, nem que seja em suas mentes, medo de parecerem loucos, insanos, senis. São o que são não vou me apiedar. Estranhos componentes de uma salada indigesta. Ainda resisto, no topo de um penhasco que desmorona aos poucos, me equilibro, seguro nas estrelas.
Sim, pode falar que sou revoltada, arrogante, idiota. No fundo, apenas velha.


Engraçado como parece que, depois de tudo, ainda resta algo vivo. Quando menos se espera, vem aquele sopro de existência, um bafo quente às costas, aquele caminho quase esquecido volta a ser usado. É estranho como certos comportamentos obsessivos demonstram o quanto de humano ainda há, o quanto de imperfeito continua a respirar e a dizer besteiras, o quanto tudo isso poderia simplesmente desaparecer mas não o faz.
Vejo como aquele vício de esperança consome as energias restantes, é ele quem produz a estafa, o crescente penhasco até o precipício da frustração; o pulo que não pode ser dado. Cansa-me, mas me entrego a ele com certo deleite, coloco a máscara e vou dormir. É assim que ajo, embora despreze esse comportamento com todas as minhas forças.
Qual é o sentido dessa frase se amo tudo o que desprezo? Se é o desprezo que me orgulha, incita, excita e comove?
Talvez não haja sentido, isso que me impele para o futuro e me afunda no passado. Se o tempo nos aprisiona em sua irrealidade (ou surrealidade, talvez. ou ambos.) como esses pensamentos podem ser possíveis? Como o agora pode ser mensurado se ele é nada mais que uma ilusão?
Ah, perco-me. Facilmente, entre caminhos escúros e úmidos que trançam trilhas inimagináveis de possibilidades. Não posso seguir a todas, não posso escolher uma; perco-me. De repente todos os caminhos são apenas atalhos para a não saída. De repente todas as palavras são vazias e túrgidas. De repente não há.
Sinto também que, após um tempo, uma quase desintoxicação, me libertei de algumas amarras. São olhos já não tão mais brilhantes, pensamentos não tão mais recorrentes (mentira), toques talvez mais frios. E de certa forma o contrário de tudo isso coexiste, com a reflexão vejo que as memórias e as ações reais são tão diferentes! Por que as minhas próprias memórias mentem para mim? Talvez seja somente eu a tentar me enganar com disfarces obsoletos de carnavais de outrora.
Talvez apenas uma colombina morta. Ou uma que chore enquanto ri.
(ou talvez eu deva simplesmente parar de ouvir Radiohead)


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