Confesso que sinto uma dificuldade sensível em viver sem a sua monótona presença. Parece incoerente, admito, mas aquele incômodo que ele causava diariamente em mim faz falta. É a saudade do jogo de olhares, das frases displicentemente trocadas, os pensamentos formando uma nuvem invisível que aconchegava o meu ser. Agora reside a impotência, as cartas foram tiradas quase que em definitivo das minhas mãos: não consigo agir sem ter a sensação do convívio, sem que possa perceber nos hiatos que se formavam entre nós o que estava acontecendo realmente. Sinto-me um tanto ridícula por ter ficado tão dependente do seu cheiro, mesmo que distante, perdido entre tantos outros aromas de plástico. É a rotina do bom dia, das piadas inacabadas, o gosto do secreto em minha boca - a tudo isso me vejo presa, amordaçada e atada às suas lembranças difusas.
Sinceramente nem devia pensar muito nisso. Às vezes, parecem tão sutis essas memórias que nos unem que, se eu pensar muito sobre elas, podem ficar cada vez mais gastas até que um dia desapareçam por completo. Seria bom. Ao mesmo tempo não quero perder essas estrelas que brilham à distância, quero que elas caiam sobre mim como cometas, envolvam-me no seu calor, no fogo que incendeia minha alma. Que me destruam, que explodam minha mente em mil pedaços! Apenas não posso cogitar a possibilidade de me esquecer do doce timbre da sua voz.
Estou no pico da falta total de concentração e quando tento apurar a causa, quem me vem à mente é sempre a mesma pessoa demoníaca. A fallen angel.
Foi por isso que eu procurei, não? Foi isso o que eu encontrei. Foi isso o que não tive. Foi isso o que perdi.


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