O que eu não daria para meus olhos não precisarem mais perseguir seus passos sempre passando por mim. O que eu não daria para não ouvir sua voz falando a outros ouvidos que não o meu. Poderia também esquecer sua pele, seus movimentos ritmados que se repetem involuntariamente no lugar onde reside minha memória. A sensação de minha boca sugar cada perfume seu como algo vital, as tulipas brotando ao meu redor, borbulhando néctar em seus cálices de calor pungente. Ainda lembro de suas mãos banhadas por esse mel opiáceo quando brincávamos em nosso jardim edílico. Tudo isso, quisera eu ser apenas uma nuvem de fumaça que se dissipa, o orvalho da manhã que se vai com o sol. O que eu não faria para voltar àquele dia, nosso baile à fantasia particular: você - palhaço, eu - colombina. Queria o ver novamente com o nariz vermelho de plástico. Engraçado: onde foi que o deixou? Procuro incansavelmente por essa resposta, mais que a todas as outras que nunca me deu. Lembro apenas que era o palhaço mais bonito, a fantasia mais perfeita. Maquiagem daqueles tempos efêmeros ainda escorre pela minha face. Onde está seu nariz? Penso agora que talvez fizesse diferente, mas sei que tudo igual. Quero apenas roubar seus gestos para mim, apropriar-me da sua essência que nunca vi. O que eu não daria para o conhecer, para olhar dentro de você como se fosse a primeira vez. Ainda que fosse a última.
Tivemos azar, acho. Combina com você isso, combina tanto com você, comigo, conosco. É a dor incalculada desse azar que mais me maltrata (mais que suas mãos morbidamente frias). Ele me tira totalmente o controle, lânguido, olhos e auréolas violeta de quem jamais dorme. Ainda está me vigiando, e por isso que faço tantas coisas que, sem querer, apunhalam a mim mesma (não ouso falar de você, desconheço-o). O que não daria para ter você como nunca tive, como sempre quis, despido de tudo que nos separa. Queria suas respostas acumuladas às minhas perguntas sem sentido.
Tudo o que faço é para você, mesmo se eu fingir não ser. Meu prazer me mata, o seu prazer me mata: por isso que sempre fecho os olhos. O que eu não daria para que usasse mais uma vez o nariz.
Aquele, vermelho.
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